quarta-feira, 3 de julho de 2013

Palavra da Coruja


O mentiroso precisa ter boa memória.
Quintiliano

Fim de Tarde

                         
Chick Corea e Bobby McFerrin interpretam "Smile"
de Charles Chaplin

Para a Hora do Chá


Dobrada à moda do Porto 

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo, 
Serviram-me o amor como dobrada fria. 
Disse delicadamente ao missionário da cozinha 
Que a preferia quente, 
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo. 
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante. 
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta, 
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer? 
Eu não sei, e foi comigo ...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim, 
Particular ou público, ou do vizinho. 
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. 
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes, 
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram 
Dobrada à moda do Porto fria? 
Não é prato que se possa comer frio, 
Mas trouxeram-mo frio. 
Não me queixei, mas estava frio, 
Nunca se pode comer frio, mas veio frio. 


Fernando Pessoa  (Álvaro de Campos)

A palavra é de... Carlos Brickmann

Ladroeira, vá lá, mas sem deboche

O roubo faz parte do poder; um inglês famoso, lorde Acton, dizia já em 1887 que todo poder corrompe. Rouba-se no Brasil desde quando o Brasil era colônia (D. João 6º, ao voltar para Portugal, esvaziou os cofres do país); roubou-se no mundo comunista (Erich Honneker, o último líder da Alemanha Oriental, acumulou alguns bilhões de dólares), rouba-se no mundo capitalista (Helmut Kohl, que liderou a reunificação alemã, caiu por receber dólares, digamos, não contabilizados). Rouba-se em ditaduras e democracias. Faz parte.

O que não faz parte, e que responde pelas grandes manifestações, é o deboche. Nunca por aqui alguém brigou pela corrupção dos outros. Mas quando um senador que teve de renunciar para não ser cassado vira presidente do Senado, quando ministros afastados por "malfeitos" voltam a circular no Governo, quando deputados condenados à prisão por corrupção não apenas continuam exercendo o mandato como vão para a Comissão de Constituição e Justiça, quando o Poder torna sigilosos os gastos do cartão corporativo de uma servidora que se dizia grande amiga do então presidente, aí é demais. É juntar o roubo ao escárnio. É dizer "vou tomar seu dinheiro e contar pra todo mundo que você é otário". 

Mentir faz parte do deboche. Quando o ministro da Fazenda diz que as contas batem graças a uma tal "contabilidade criativa", está debochando. Na ditadura, acochambravam-se os índices (era a expressão da época), mas negava-se a bandalheira. Hoje a bandalheira é afirmada, enfiada na cara do cidadão. 

É abuso.




Padrão Dilma

Dilma diz que seu Governo é Padrão Felipão. Bela comparação: foi o Padrão Felipão que levou o esquadrão do Palmeiras à Segunda Divisão.

Depois da queda

Nem o Palácio do Planalto deve se assustar, nem a oposição se embandeirar, com a queda do índice de popularidade do Governo Dilma. As manifestações derrubaram os índices dos governantes em geral (e era inevitável que assim fosse). Mas a queda pode ser passageira, dependendo de como se fizer o manejo da crise. O importante não é a queda causada pelas manifestações: como num terremoto, o importante é o que ocorre nas camadas subterrâneas. Mostra a pesquisa DataFolha: a expectativa de aumento da inflação passou de 51 para 54%; a avaliação positiva do comando da economia caiu de 49 para 27%; a expectativa de crescimento do desemprego passou de 36 para 44%.

Este é o nó a desatar.


carlos@brickmann.com.br
Do site Brickmann & Associados

Vida e Cor


Bonn, Alemanha
Um túnel de cerejeiras em flor
Foto: Marcel Bednarz



Johanesburgo, África do Sul
Jacarandás transplantados da América do Sul há 100 anos
formam essa maravilhosa sinfonia lilás.
Atualização: esse túnel vivo fica em Johanesburgo, mas a cidade dos jacarandás na África do Sul é Pretória.
Podia ser o Rio de Janeiro, não é? Seria tão bom... Agradeço ao leitor Luiz Lemos a informação sobre as duas cidades.



Túnel com as cores do outono em Vermont, EUA
Foto: Kevin McNeal

Arca do Tesouro

Objeto de Arte - “Os Pinheiros” (século XX)


Vaso criado por Émile Gallé, considerado um dos pais do movimento artístico conhecido como Art Nouveau. Gallé nasceu em Nancy, em 1846. Na juventude estudou botânica, filosofia e desenho. Mais tarde, em Meisenthal, também na Lorena, aprendeu a arte de fazer vidros.

No início usava vidro transparente decorado com esmalte, mas logo criou um estilo original, utilizando vidro grosso, opaco, cinzelado ou gravado com motivos botânicos. Recebeu um prêmio na Exposição Internacional de Paris, de 1876, e daí em diante sua carreira foi um sucesso.

Sempre experimentando técnicas novas, revitalizou a indústria do vidro e criou uma oficina para produzir objetos de arte, seus e de outros artistas. O aspecto menos conhecido de sua vida é o engajamento social. Humanista convicto, criou escolas noturnas para seus operários, o que deu origem à Universidade Popular de Nancy. Envolveu-se na defesa de Alfred Dreyfus, condenou publicamente o genocídio na Armênia, defendeu judeus romenos e se pronunciou em defesa dos católicos irlandeses contra a Inglaterra.




O vaso “Os Pinheiros” é considerado uma de suas obras mais perfeitas e curiosas; não é representativo de seu período mais criativo, mas de suas últimas pesquisas.

Nessa peça Gallé evoca as diversas camadas que se formam no solo de uma densa floresta de pinheiros, sempre úmido e escuro. A técnica empregada ficou conhecida como marchetaria, por lembrar o trabalho na madeira, quando diferentes cores e texturas formam desenhos. Foi criada por ele que a patenteou em 1898.

Gallé morreu muito moço, aos 55 anos, em 1904. “Os Pinheiros” é de 1903. Foi comprado para o museu onde está graças aos esforços conjuntos da Fundação Clara Peckman, da Fundação Houghton, e de uma dotação especial do governo americano, tal seu alto valor.


Acervo do Museu do Vidro, Corning, NY


por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
Da seção Obra-Prima do Dia publicada originalmente no Blog do Noblat em 25/11/2011 

Palavrinha

Ricardo Kotscho, um jornalista bem informado, que escreve bem e que dá a impressão, para quem nunca esteve com ele, como eu, de ser muito afável, não há de se ofender com minhas observações. Na verdade, muito provavelmente, ele nem saberá que as fiz.

Em artigo publicado no Balaio do Kotscho de 2 de julho, intitulado Protestos seguem um roteiro: quem são os autores?, ele diz, entre outras muitas coisas, o que copio abaixo:

"Geradas nas redes sociais e amplificadas pela cobertura generosa da grande mídia, inclusive durante transmissões esportivas e em programas de auditório, as manifestações de protesto parecem seguir um roteiro para que não parem nunca mais, encadeando uma pauta na outra. Certamente não se trata da obra de um único e criativo pauteiro. Pode ser tudo uma grande coincidência, mas não custa perguntar quem podem ser seus autores e quais seriam seus reais objetivos, já que até hoje tudo nos é apresentado como algo espontâneo, que brota de uma difusa insatisfação popular não registrada pelas pesquisas nem pelos agentes da Abin”.

1) Kotscho elenca o que, em sua opinião, incrementou as manifestações geradas nas redes sociais: a generosa cobertura da grande mídia.

Espanta perceber que ele não notou que a meninada estava e está profundamente cheia das promessas que há tempos são jogadas em nossa cara e que nunca são cumpridas. Mas espanta mais ver que ele se esqueceu de juntar à grande mídia a reação entre destemperada e apavorada de dona Dilma!

Reuniões nos fins de semana e que se prolongaram até bem tarde, para os padrões de horas de trabalho a que esse pessoal está habituado (as semanas de 3 dias), pareciam as reuniões dos Sioux antes de ser atacados pelos Apaches! Com ideias que se desfizeram como poeira e outras que, francamente, como o plebiscito, são um verdadeiro espinho.

Mas a mim o que me convenceu que o Brasil desandou foi o apagão dos 40 companheiros, aliado ao semblante de pânico de dona Dilma e suas olheiras.

2) Kotscho cita Alberto Dines* e concorda que pouco sabemos porque ainda falta o narrador. Também eu concordo. Mas seja quem for que venha a ser o narrador, num futuro próximo ou distante, ele não poderá prescindir do homem que tem a chave de tudo.

Por enquanto, Lula parece um comprimido efervescente: dissolveu nos caudalosos rios africanos.




Seu sumiço não me espanta. Já sabíamos que ele é homem disso. Mas é pena, pois desconfio que ele sabe direitinho quando tudo começou. E porque começou...

Que a Abin ou os institutos de pesquisa não houvessem detectado a semente que dera os frutos que já estavam cobrindo o quintal, também não me surpreende...

Francamente, os adultos ouvem o que os adolescentes falam? Quer dizer, ouviam? Prestavam atenção no que consideravam algaravia?

Lembram do que o Lula uma vez disse? Que o pai no quarto não sabe o que o filho faz na sala? Pois é... Esse Lula...

MH

* Ver artigo Alberto Dines neste mesmo blog, às 9:00

Alberto Dines

A história ainda não foi contada, falta o narrador

No sábado, 6 de julho, o vulcão completará um mês de atividade ininterrupta. Hora de perguntar: alguém já contou esta história – como começou, mudou e o que ainda pode acontecer?

Estamos observando os escombros, identificando vítimas, avaliando efeitos, conscientes da dimensão do ocorrido, testemunhas mais ou menos informadas. Poucos, no entanto, sabem com exatidão por que a cratera adormecida, de repente, começou a cuspir fogo.

O elemento surpresa não é desculpa para um relato que trinta dias depois se mantém incompleto. O fluxo ininterrupto das manifestações não vale como justificativa para tantas lacunas. As mídias digitais foram usadas como convocadoras, a mídia dita tradicional esteve na linha de frente para flagrar o que acontecia, nem uma nem outra conseguiu articular uma narrativa integrada, inteligível.

Talvez porque estejamos atuando como “torcedores” e, portanto, engajados, ou porque ninguém se anima a encarar a vertiginosa sucessão de fatos como um processo cujo desfecho pode estar distante.

Prazo de validade





A bela charge na capa do Economist (29/6, acima) oferece uma sutil sugestão: na mesma barricada, Marianne (símbolo da República Francesa marcando a revolução de 1848), um hippie americano segurando um coquetel molotov e um ramo de flores (os protestos mundiais de 1968), o operário polonês Lech Walesa (representando o desabamento do império soviético em 1989) e, em 2013, uma jovem de jeans com um celular na mão tendo ao fundo as rebeliões no Cairo, Istambul e Rio.

O texto frouxo na seção de editoriais do semanário não faz jus à simbologia da imagem: rebeldias não são fenômenos isolados, o fator contágio foi determinante na “Primavera das Nações” em 1848 e continua fundamental 165 anos depois. Massas são estimuladas pelo exemplo – isso era válido na era da palavra, continua na era da imagem, tanto em rebeliões proletárias como em motins fascistas, no Velho ou no Novo Mundo, em democracias ou regimes caudilhescos.

Motivações locais funcionam como alavancas, mas impulsos universais não podem ser descartados – sobretudo a impaciência. Na era da velocidade e do tempo real, promessas e ilusões têm prazo de validade limitado. Avanços não se sustentam sem outros avanços, o fluxo contínuo da internet tornou-se padrão. Default. Daí, o efeito bumerangue da propaganda e do marketing massivos, funcionando ao revés e arruinando partidos, políticos e projetos de poder.

Magia manjada

O que aconteceu com o futebol no país do futebol vale como paradigma: o circo cansa. Distração tem limite. Enquanto a seleção brasileira fazia a formidável exibição contra a da Espanha no gramado do Maracanã, nas redondezas manifestantes pacíficos e beligerantes se revezaram nos protestos contra os exorbitantes gastos com os eventos de 2014 e 2016. Isso é inédito.

Patrocinadores e mídia exploraram o resultado da final desta minicopa com os velhos expedientes emocionais e patrióticos – não resistirão por muito tempo. A velha magia desandou.

Esta é a resposta: a mídia não consegue fechar o relato destas jornadas porque é a narradora. E parte do processo.


Transcrito do Observatório da Imprensa de 02/07/2013

Olá! Bom Dia!

                                          

   Too Close For Comfort 
                   na interpretação da Touch of Brass Big Band