quarta-feira, 3 de julho de 2013

Alberto Dines

A história ainda não foi contada, falta o narrador

No sábado, 6 de julho, o vulcão completará um mês de atividade ininterrupta. Hora de perguntar: alguém já contou esta história – como começou, mudou e o que ainda pode acontecer?

Estamos observando os escombros, identificando vítimas, avaliando efeitos, conscientes da dimensão do ocorrido, testemunhas mais ou menos informadas. Poucos, no entanto, sabem com exatidão por que a cratera adormecida, de repente, começou a cuspir fogo.

O elemento surpresa não é desculpa para um relato que trinta dias depois se mantém incompleto. O fluxo ininterrupto das manifestações não vale como justificativa para tantas lacunas. As mídias digitais foram usadas como convocadoras, a mídia dita tradicional esteve na linha de frente para flagrar o que acontecia, nem uma nem outra conseguiu articular uma narrativa integrada, inteligível.

Talvez porque estejamos atuando como “torcedores” e, portanto, engajados, ou porque ninguém se anima a encarar a vertiginosa sucessão de fatos como um processo cujo desfecho pode estar distante.

Prazo de validade





A bela charge na capa do Economist (29/6, acima) oferece uma sutil sugestão: na mesma barricada, Marianne (símbolo da República Francesa marcando a revolução de 1848), um hippie americano segurando um coquetel molotov e um ramo de flores (os protestos mundiais de 1968), o operário polonês Lech Walesa (representando o desabamento do império soviético em 1989) e, em 2013, uma jovem de jeans com um celular na mão tendo ao fundo as rebeliões no Cairo, Istambul e Rio.

O texto frouxo na seção de editoriais do semanário não faz jus à simbologia da imagem: rebeldias não são fenômenos isolados, o fator contágio foi determinante na “Primavera das Nações” em 1848 e continua fundamental 165 anos depois. Massas são estimuladas pelo exemplo – isso era válido na era da palavra, continua na era da imagem, tanto em rebeliões proletárias como em motins fascistas, no Velho ou no Novo Mundo, em democracias ou regimes caudilhescos.

Motivações locais funcionam como alavancas, mas impulsos universais não podem ser descartados – sobretudo a impaciência. Na era da velocidade e do tempo real, promessas e ilusões têm prazo de validade limitado. Avanços não se sustentam sem outros avanços, o fluxo contínuo da internet tornou-se padrão. Default. Daí, o efeito bumerangue da propaganda e do marketing massivos, funcionando ao revés e arruinando partidos, políticos e projetos de poder.

Magia manjada

O que aconteceu com o futebol no país do futebol vale como paradigma: o circo cansa. Distração tem limite. Enquanto a seleção brasileira fazia a formidável exibição contra a da Espanha no gramado do Maracanã, nas redondezas manifestantes pacíficos e beligerantes se revezaram nos protestos contra os exorbitantes gastos com os eventos de 2014 e 2016. Isso é inédito.

Patrocinadores e mídia exploraram o resultado da final desta minicopa com os velhos expedientes emocionais e patrióticos – não resistirão por muito tempo. A velha magia desandou.

Esta é a resposta: a mídia não consegue fechar o relato destas jornadas porque é a narradora. E parte do processo.


Transcrito do Observatório da Imprensa de 02/07/2013

3 comentários:


  1. "Patrocinadores e mídia exploraram o resultado da final desta minicopa com os velhos expedientes emocionais e patrióticos – não resistirão por muito tempo. A velha magia desandou."
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    Concordo plenamente. O JN de segunda-feira foi vergonhoso, como se no país toda a população só pensasse em futebol. Felizmente, já era (ou foi).

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  2. A capa do Economist é sensacional, não é, Lilyane? Eu adorei.
    Nunca vi a cidade do Rio tão calada como na noite em que o Brasil ganhou essa Copa. Nem um buzinaçozinho...
    bj,
    MH

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    1. Sensacional mesmo. Queria ser provida dessa criatividade.

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