segunda-feira, 17 de junho de 2013

A palavra é de... Elio Gaspari

A página esquecida da cultura brasileira

Morreu Jacob Gorender, tendo deixado seu magnífico “Combate nas trevas”, em que conta as ilusões armadas da esquerda brasileira nos anos 70. Com ele, foi-se um pedaço da memória da usina de livros e fascículos da editora Abril, produto da visão empresarial de Victor Civita.

“Seu” Victor achava que a história segundo a qual brasileiro não lê era uma lenda e decidiu lançar uma coleção intitulada “Gênios da literatura universal”. A cada semana, punha nas bancas de jornais um grande romance, acompanhado por um fascículo com a vida do autor.

Começou com “Os Irmãos Karamázov”, anunciando que a série teria 50 volumes. Deram-no por doido, pois, se o primeiro livro vendesse menos de 50 mil exemplares, a coleção iria a pique. Ele informou: “Vocês são contra, mas eu tenho 51% das ações, e isso será feito.”

Dostoiévski vendeu 270 mil exemplares. Seguiram-se os “Gênios da literatura brasileira”, “Os economistas” e os “Os pensadores”. Platão vendeu 250 mil exemplares. As coleções da Abril levaram para as bancas de jornais cerca de 12 milhões de livros, e ela tornou-se a maior editora de livros de filosofia do mundo.




Nesse empreendimento, estiveram o diretor da operação, Pedro Paulo Poppovic, e a rede de intelectuais por ele mobilizada. Nela, havia 300 professores que a ditadura deixara sem trabalho. Jacob Gorender traduzia filósofos alemães numa cela do presídio Tiradentes, e Pedro Paulo publicava seu trabalho com o nome da mulher, Idealina.

Libertado, tornou-se funcionário da Abril Cultural, trabalhando ao lado de uma jovem que gostava de teatro chamada Maria Adelaide Amaral. A coleção “Os pensadores” foi dirigida pelos filósofos José Américo Motta Pessanha (posto para fora da UFRJ), com o apoio de José Arthur Giannotti (cassado pela USP). A redação dos fascículos era dirigida por Ari Coelho, professor de Química expulso da Universidade de Brasília.

Poppovic calcula que a polícia visitou a Abril Cultural em pelo menos 15 ocasiões. Em alguns casos, os redatores valiam-se de uma rota de fuga. Ele lembra que, em nenhum momento, Civita perguntou-lhe quem trabalhava lá, nem o que a polícia queria.

Um dia, alguém resgatará a história do maior empreendimento cultural ocorrido durante a ditadura, com o mais absoluto sucesso.


Transcrito do Blog do Noblat (16/06/2013)

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