sábado, 3 de agosto de 2013

Os humildes, os irrevogáveis e os chatos, por Marli Gonçalves

Já não basta o ingresso no assustador mês de agosto, a alta da inflação, o governo dando rodopios, fazendo e desfazendo birutices? Agora resolveram que se mexer significa anunciar fantasias, mentir, ludibriar, atacar e se fazer de bonzinhos, de transparentes, de acessíveis. Um monte de Marias Madalenas arrependidas e constritas, almas recuperadas pelo Papa Francisco

Sabe aquelas imagens de filmes que mostram pessoas pulando brasas? Ui, ui, ui! Pois é. Assim está o governo desta nossa a cada dia mais fantástica, surreal e divertida República. Outro dia li que, de tanto recuar no que decide, o governo vai acabar é caindo no abismo. Discordo, acho que não: vai para a frente, vai para trás, e não sai do mesmo lugar, fica ali cavando um buraco, rasgando o chão, igual mula quando empaca. O pior é que a sarna está se alastrando: governadores e prefeitos também estão que nem doidos. Parece que além do gás lacrimogêneo e de pimenta estão usando spray de inseticida: barata voa!

Amigos que ainda acreditam em milagres: não venham me atacar! Só respondam: entre as medidas anunciadas naquele saquinho, quando os caras e as caras juravam que estavam ouvindo a voz das ruas, qual está em vigor? Oi? Hein? Fala mais alto que não estou ouvindo direito. Nenhuma, não é?

Nem corrupção é crime hediondo, o que também enquanto decisão é uma bobagem sem limite, nem os impostos caíram, nem os parlamentares passaram a prestar, nem reforma política, nem redução do número de ministérios, nem os custos do governo, enfim, neca de pitibiriba mudou. 

Resolveram trazer médicos estrangeiros, e estamos vendo no que esse tal programa "Mais Médicos" vai dar: se gastassem em Saúde o que gastam em pesada campanha publicitária cheia de gente sorridente e equipamentos hospitalares tinindo apresentados pelo Herson Capri, pelo menos um posto médico completo, quiçá um hospital, nasceria. Mas é mais fácil contratar globais - aliás, que vergonha! A lista inclui Regina Casé na Caixa, com a Caixa e suas bolsas, esquentando nossas orelhas e paciência, Milton Gonçalves, muitos, e ainda pagam por vozes, locuções, especialmente daquele ser, o tal Zé de Abreu. A ostensiva campanha da Friboi, acreditem, também tem forte viés político, além do privado. Aguardem, que a carne é fraca.

Outro dia, verdade seja dita, até que a presidente mandou bem ao sancionar a lei que garante apoio às vítimas de estupro, obrigando os hospitais a atender e fornecer assistência completa e a pílula do dia seguinte para as mulheres que sofreram abusos sexuais. O bando de crápulas reacionários que dizia que isso era o "caminho para a liberação do aborto", e que ainda volitam e integram as esferas do poder tiveram de engolir essa. Mas continuam aí, com a cruzada pelo obscurantismo em outros temas, e todos aliados na base do governo, vale lembrar.

O momento está muito difícil para quem tem um mínimo de raciocínio lógico e independência. Não há onde se agarrar, e a gente fica meio que solto no espaço. Todo mundo acha lindo quando detectamos e escrevemos sobre as falcatruas de uns e outros; ora atacados por ser de direita, ora por ser de esquerda, essas duas definições bem bobas, em geral vindas de quem está bem escorado, inclusive financeiramente, em algum desses muros. Não imaginam as correspondências que recebemos, nem como as nossas orelhas ardem, ou como nossos bolsos nada contêm. Nem têm ideia de como são operadas internamente as decisões, o que inclui pressões, cortes de trabalho, investigações especiais, grampinhos, etc., etc. Não tem refresco. Só pimenta.

Por essas e outras que cada vez que vejo esses verdadeiros anjos de candura se movimentando, declarando estar convencidos da justeza das reivindicações, falando em reforma política e economia, sinto terríveis câimbras. Quando vejo um indigitado como o Sergio Cabral falando que agora percebeu que não era humilde, mas que o Papa fez esse milagre, e logo depois pedindo trégua aos manifestantes pelos seus filhos pequenos - os vizinhos que explodam, não?- tenho vergonha. Aproveitando: cadê o Amarildo?

Assim, modestamente, orgulhosamente, venho a público pedir caridosamente que cessem as tentativas vãs de nos engabelar a todos com medidas revogadas horas depois, ou apenas de papel. Aproveito e peço, sem máscaras no rosto - e atirando para todos os lados - que busquemos um caminho para superar este momento. Chega de teses mirabolantes, de conspirações malfeitas, de efeitos de marketing que não levam em conta a comunicação límpida, pura e simples, como a do Papa em sua histórica passagem pelo país.




Escute. Não é o imperialismo internacional que está promovendo os movimentos para desestabilizar o país. Os jovens que estão transmitindo ao vivo as manifestações com os seus celulares são de todos os matizes, incluindo petistas, comunistas, qualquer coisa, porque - coitadinhos - pouco informados que são, acreditam que a revolução que pretendem passa por aí. São idealistas. Apenas aproveite, assistindo, como se estivesse lá onde só eles têm coragem de estar. Os bobocas, BBs, black bobocas, que cobrem os rostos com máscaras, fabricam molotovs e saem quebrando coisas são apenas bobinhos perigosos porque pensam que o jogo de videogame e a realidade são a mesma coisa; estão brincando de ser gente grande, de guerra, de guerrilha - quando chegam em casa dizem sim, senhor e devem mesmo levar umas boas palmadas.

Mas, finalmente, por favor, não façam nem permitam o que estão fazendo com a imprensa, com o jornalismo, com a minha querida profissão. Parem com essa bobagem de agredir repórteres, fazer com que os das tevês apenas sobrevoem as manifestações. Somos nós que as divulgamos e ampliamos, e que podemos fazer com que mais pessoas participem.

Somos nós, jornalistas, que estamos órfãos de quem nos defenda.


São Paulo, daqui a pouco até sem bancas de jornais, 2013


Marli Gonçalves é jornalista - Cordialidade tem limites.

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