quarta-feira, 24 de julho de 2013

A palavra é de... O Globo

No pano de fundo das manifestações  (Editorial)

Enquanto analistas tentam decifrar as mensagens emitidas pelas manifestações de ruas, políticos procuram capitalizar a onda de mobilizações. A oposição não perdeu tempo em acusar o PT e aliados de serem os alvos efetivos das reclamações gritadas pelos jovens contra a má qualidade de serviços públicos essenciais. Já o lulopetismo construiu o argumento, exposto pelo ex-presidente em artigo no “New York Times”, de que tudo se deve ao êxito no campo social obtido pelo PT no Planalto. A explicação estaria na faceta do ser humano de sempre querer mais do que é bom, tese de inspiração antropológica repetida pela presidente Dilma no discurso de recepção ao Papa Francisco.

A discussão não tem fim, por ser alimentada pela campanha eleitoral antecipada. Numa visão fria, distante de paixões político-ideológicas, inevitável considerar, nas análises sobre o fermento no subsolo da agitação da juventude, as falhas na política de investimentos e gastos públicos.

Reclamações pela falta de saúde, educação e transporte público de “padrão Fifa”, expostas em muitos cartazes nas manifestações de junho, não surgem do nada, nem são resultado de alguma perversão oposicionista. Pesquisa feita em maio, nas vésperas das passeatas, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, detectou junto aos jovens de 15 a 29 anos de idade demandas quase unânimes por melhores educação e saúde, nesta ordem, com índices de respostas acima de 80%. O “combate às mudanças climáticas” fecha a lista com apenas 7% — prova de como o senso comum às vezes passa distante da realidade.

Se há deficiências nas escolas públicas e nas emergências, postos e hospitais do SUS é porque o dinheiro do contribuinte teve outras prioridades, como programas assistencialistas e aposentadorias, por exemplo. E tanto a Educação quanto a Saúde padecem, em geral, da falta de técnicas modernas de gestão.

Tabulação feita pelo GLOBO com base em estatísticas do DataSUS e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostra outro aspecto do erro de enfoque na política de gastos. O levantamento, sobre o período de 2001 a 2011, detecta o paradoxo do crescimento de mortes violentas nas regiões Norte e Nordeste enquanto aumenta a renda per capita. Mas não há contradição.

A renda aumentou, mas equívocos na política de gastos e investimentos públicos deixaram em plano secundário a segurança pública e a infraestrutura de transportes. Policiamento deficiente, estradas malconservadas e transporte público precário são causas importantes de mortes no país, em especial nas regiões menos desenvolvidas.

A onda de manifestações parece ter surgido de repente. Mas não foi assim. Ela já crescia abaixo da superfície do cotidiano, ajudada por uma inflação persistente e alta.


Publicado em O Globo de 24 de julho de 2013

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