domingo, 21 de julho de 2013

A bordo do Titanic, por Ruy Fabiano

Mais contundente que o vandalismo nas ruas do Leblon, Rio, esta semana, foi sem dúvida a proposta do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, cabeça coroada do PMDB, de extinção de pelo menos quatorze ministérios.

Não que a proposta não seja boa: é, e é também urgente. Ninguém governa 39 ministérios. A contundência, pois, está não na proposta, mas em quem a fez: um representante do partido que historicamente empresta (o termo melhor seria aluga) seu apoio em troca exatamente de ministérios.

Soou, por isso mesmo, mais como um aviso de que seu partido está tirando o time de campo que propriamente um desabafo de ordem moral ou gerencial.





Não por acaso, a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, surpresa com a declaração, pediu um tempo para situar-se. Não se sabe se já conseguiu. É improvável.

De cara, disse o óbvio: que não vê a possibilidade de o pedido ser atendido "Eu não consigo vislumbrar nenhuma modificação na estrutura de governo feita pela presidente Dilma", disse, perplexa. De fato, a proposta quebra todos os códigos e logística com que trabalha.

“Relações Institucionais”, como se sabe, é o solene apelido dado à prosaica função de distribuir cargos e verbas e cobrar votos no Legislativo. O PMDB de Henrique Alves é um dos clientes mais bem atendidos, embora sempre insatisfeito. Merece, por isso mesmo, cuidados e carinhos cotidianos da ministra.

Dada a dimensão numérica de suas bancadas, na Câmara e no Senado, acha sempre pouco o que lhe oferecem. E isso, justiça se faça, não começou agora. Depois de duas décadas de governo militar, em que foi a sigla da oposição, o PMDB (ex-MDB) parece ter-se cansado do papel.

Desde então – governos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma -, tem sido sempre governista, insaciável caçador de cargos. Quando se divide, é sempre com a perspectiva de obter mais poder, mais cargos, mais verbas, mais ministérios.

Nas eleições em que FHC venceu, parte do partido, ainda que minoritária, apoiou Lula. Nas eleições em que Lula venceu, agiu da mesma forma: uma parte ficou com José Serra, em 2002, repetindo a conduta em 2006, com Geraldo Alckmin, e em 2010 novamente com José Serra. Estabelecido o vencedor, o partido se reunifica e reclama em uníssono o seu naco no bolo ministerial.

O PMDB não é um partido nacional; é o único partido federativo, regional, que se une apenas em função do poder (o que não é pouco). Em cada estado, há um cacique, como nos tempos da República Velha. E os caciques nacionais – os que, como Henrique Alves, ocupam cargos de proa - não têm representatividade para produzir um candidato nacional.

Tem-se então o fenômeno de que, mesmo sendo o partido de maior capilaridade no país, chegando a lugares em que o PT, com uma década no poder, não chegou ainda, não consegue ter um líder nacional para disputar a Presidência da República.

Não tem e não quer, o que pode parecer estranho, mas não é. Come o mingau pelas beiradas, sem o risco de queimar a língua. E tem a vantagem presente: pode abandonar o navio antes que afunde. Não tem compromissos de lealdade. Basta devolver os cargos e se associar aos que protestam contra a ordem (ou a desordem) estabelecida.

É o que parece fazer Henrique Alves. Constatou o que, em Brasília, é um segredo de polichinelo: o governo Dilma acabou. O que aí está é um amontoado de náufragos políticos, que não sabem o que fazer com a revolta das ruas.

A própria revolta das ruas não sabe o que fazer consigo mesma, o que, no entanto, é outra história. Fiquemos nesta.

O governo improvisa propostas de reforma política, sonega números da economia, busca atrair lideranças de movimentos sociais (que só lideram a si mesmos) e, no fim, pede socorro a Lula, que acha que a rebelião das ruas é de gente sua.

Lula condenou as especulações eleitorais em torno de seu nome, esquecido talvez de que foi ele mesmo quem antecipou o processo sucessório, quando, há três meses, lançou Dilma candidata à reeleição, e mencionou uma única hipótese de voltar: a eventual falta de competitividade de sua candidata, em face dos números da economia.

A economia vai mal e Dilma desaba nas pesquisas. Logo, a candidatura Lula completa o silogismo que ele mesmo propôs.

O quadro é, no mínimo, confuso. E Henrique Alves e seu partido são pragmáticos. Gostam das coisas claras. Costumam repetir um velho adágio do fisiologismo: “Triste do poder que não pode”. As ruas afirmam que nem tudo o poder pode.

E o PMDB se pergunta: “Para que então ministérios, se já não é possível desfrutá-los?” Melhor abandonar o navio antes que afunde – e sair dando lições de moral.


Ruy Fabiano é jornalista.

Transcrito do Blog do Noblat de 20/07/2013

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