sábado, 15 de junho de 2013

Para a Hora do Chá


              Quase

Um pouco mais de sol   - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa
Se ao menos eu permanecesse aquém.

Assombro ou paz?  Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido.

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão
Mas na minh'alma tudo se derrama
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou.
— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou.

Momentos de alma que desbaratei
Templos aonde nunca pus um altar
Rios que perdi sem os levar ao mar
Ânsias que foram mas que não fixei.

Se me vagueio, encontro só indícios
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios.

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí.
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi.

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...


    Mário de Sá Carneiro

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