domingo, 23 de junho de 2013

Marli Gonçalves

Qual é o seu cartaz?

Semana tensa, pesada, estranha. Aliás, mês, porque não é de hoje que o fogo está pegando bem perto de nós que, atônitos, ainda não sabemos bem o que está acontecendo realmente, quem destampou o ralo, quem abriu a torneira, quem pisou no pé de quem. O certo é que está acontecendo, pulem fora ou não os meninos do Movimento Passe Livre que agora dá para trás. Patrocinados por estatais e oficiais, teriam recebido um puxão de orelha ou uma ameaça? A história dirá. 

Estou muito impressionada com tudo isso, mas destaco - porque estive bem presente na batalha das redes sociais - que, realmente, que, realmente (bis obrigatório) a Educação está mesmo indo de mal a pior nesse país, com gerúndio e tudo, e vai estar rolando. Não só pelos erros básicos e crassos de escrita dos posts. Mas porque nunca ouvi tanta bobagem junta dita sobre movimentos sociais, história, marxismo, fatos nacionais. A perigosa incompreensão política do grave momento que estamos vivendo, as briguinhas como se fossemos todos torcidas rivais entre si, resumidas às tais esquerda e direita que sacodem mais do que barquinho em alto mar em dias de tempestade. Para mim é fato preocupante na hora de dar o rumo.

Mas foi mesmo muita coisa junta acontecendo. É passeata, manifestação, concentração, marcha, ocupação, passeio ou "promenade"? É tudo isso junto o que dá a ideia de zumbis de um lado para outro? É modinha? Vi muita gente boa, famosa e etc. indo, dando um pulinho lá, ao ato de segunda -feira só para fazer uma foto Rock in Rio, tipo "eu fui". Quando tem problema, na hora de protestar mesmo, "pufff!".

Também me diverti, especialmente acompanhando os relatos do Marcelo Rezende no Cidade Alerta, da Record, além das outras emissoras que botaram as imagens no ar também de forma surpreendente . Se puder, se tiver mais, não deixe de assistir - é muito engraçado o embate dele, o tempo inteiro, com os comandantes dos helicópteros sobrevoantes ( já que desfilar no chão não está nem um pouco bom e saudável para a imprensa) e o coitado que ele, Marcelo, chama de "Lente Nervosa". Depois ele inventou também o "Lente Lenta", outro câmera da equipe do Rio de Janeiro, que pegou para Cristo. Assédio moral é pouco.

Das coisas que destaco, além da criatividade inimaginável dos cartazes, as dicas de moda da Glorinha Kalil para os manifestantes serem chiques nos protestos, realmente a percepção exata de que há um novo tipo de jornalismo surgindo - só não sei como ele vai se sustentar financeiramente, e me preocupa a excessiva participação das estatais e oficiais que já citei no início. Durante dois dias acompanhei online uma equipe, que se auto-intitula Ninja, e que é de um "coletivo" ( estão anotando todas essas palavras, não? Elas entraram pesadamente no nosso vocabulário: coletivos, independentes, anarquistas, livres, vândalos, baderneiros, colaborativo, conteúdo,compartilhados, dispositivos não-letais, entre outras). Enfim, chega a ser emocionante ver o material sendo passado de dentro da passeata, cambaleante, eles correndo ofegantes, com poucas condições, inclusive de baterias para carregar as câmeras, e enfrentando, até com certo topete, os policiais.

É um fato a tirar desses dias, tanto que até a Globo News entrou nessa e pede insistentemente que os internautas mandem seus materiais "colaborativos", e que vêm sendo postos no ar. Aí a gente pode ver bem de perto, por exemplo, que apareceram trombadinhas (o nome usual dos pequenos saqueadores, e que andava meio esquecido), a turma do PCC e outras organizações criminosas aproveitando para dar um teco nos policiais, e os bombados - um capítulo à parte. São os fortinhos que ajudam nos quebra-quebra, cheios de testosterona para gastar, além dos seus vastos conhecimentos de artes marciais, usados contra pobres portas de lojas, imóveis oficiais e vidros de bancos. O que foi preso em São Paulo ganhou um apelido legal: o vândalo do sapatênis.

Na cidade de São Paulo, o som constante dos helicópteros, as sirenes, as viaturas e policiais da Tropa de Choque paradas em lugares, digamos, não-habituais, com cara de muitos poucos amigos têm tornado ainda mais difícil e tenso nosso dia-a-dia, que já era o horror.

E, antes que você me pergunte porque ainda não fui a nenhum ato desses, respondo: porque tomei horror a aglomerações e sou mais "perigosa" escrevendo. Porque sou biônica no quadril direito porque foi justamente numa manifestação dessas, há 23 anos, 23 anos - só para vocês perceberem que no fundo estamos bem atrasados - lá em Paris, por onde eu andava, que me machuquei. Hoje não posso me dar mais a esses luxos, embora a ativista dentro de mim seja bem animada.

Você chegou até aqui? E aí, já pensou no que escreveria no seu cartaz? Não está conseguindo saber onde vão dar essas manifestações contra tudo e todos?

Que tal um plebiscito?
São Paulo, vinagre e chamas, 2013

Marli Gonçalves é jornalista. Como hoje quase todo mundo tem uma impressora, e essas manifestações continuarão, é legal poder variar. Cada dia um cartaz. Não precisa nem repetir. Porque antes aqui no Brasil não tinha nada disso, como dizem. Agora tem. Não é o cavalo que está passando arreado. É o ônibus. 

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