quinta-feira, 13 de junho de 2013

Gilberto Scofield Jr

 Um Rio de serviços ruins
É certo que a qualidade dos serviços nunca foi exatamente uma maravilha. Mas, diante dos preços cobrados aos cariocas hoje, esta deficiência se transformou num deboche e numa irritação. Os serviços no Rio são caríssimos e inexplicavelmente ordinários.




Restaurantes cujos garçons não conseguem descrever um prato, bares onde é preciso ser Denise Stoklos para se fazer notar, casas de show incapazes de começar um espetáculo na hora, táxis com motoristas que perguntam antes para onde vai o cliente, balcões de informações com gente que não sabe nada, ônibus que são máquinas de matar, caixas de banco pouco solícitos, caixas de supermercado que jogam suas compras, vendedores de lojas que discriminam, hospitais com técnicos em enfermagem rabugentos.

No Rio, tudo parece tocado pela incompetência ou pela falta de qualidade. Ou os dois juntos. Dia desses, peguei um táxi com o motorista ouvindo um programa religioso. Aos berros. Peço gentilmente ao sujeito que abaixe um pouco o som. E ele: "Mais um sem Jesus no coração". E eu : "Ele não está no meu coração porque está preso no meu tímpano. O senhor pode baixar o som, por favor?". Ele abaixou uma coisa ínfima e foi resmungando até chegar ao destino.

No Jobi, o garçom pede uma cadeira vazia na mesa ao lado, ocupada por uma solitária mulher. A ocupante disse que esperava uma amiga, que já estava chegando, mas o garçom garantiu que não tinha problemas, que ele arrumaria outra cadeira. Quando a amiga chegou, a mulher chamou o garçom, mas ele disse que não podia fazer nada. Diante de reclamações indignadas, o garçom apontou a fila na porta: "Se você quiser ir embora, não tem problema. Tem um monte de gente querendo entrar".

Um amigo vem sofrendo para agendar a entrega de uma estante nova e o conserto da TV a cabo porque as empresas marcam o dia, mas não se comprometem com horário, como se o sujeito tivesse um dia inteiro à disposição.

E há a falta de gentileza. Há coisa de duas semanas, fui à Chocolates Katz do Rio Sul, de que gosto muito, e enquanto bebericava um expresso (R$ 3,80) pedi para provar um cubinho de chocolate extra amargo. Uma delícia. Pedi cem gramas, um potinho de biscoito wafer coberto e a conta. E a atendente: "Vou cobrar seis gramas para incluir o chocolate que o senhor comeu". Como assim? A prova? Mas se não fosse ela eu não gastaria R$ 35,34 em chocolate!

Um amigo foi ao Cafeína e precisou usar o laptop. Descobriu que a bateria estava acabando e chamou a garçonete: "Você teria uma tomada para eu ligar o meu computador?" E a menina: "Temos, mas o gerente diz que cliente não pode usar".

Há quem explique essa vagabundagem nos serviços apelando para a História. O Rio sempre padeceu de bons serviços para a população porque sempre foi uma cidade dividida desde a Colônia. Para a elite — os senhores de engenho, a corte, os nobres, os governantes da capital, o topo do funcionalismo, os ricos —, tudo. Para os outros, a resignação. Quem mandou não ser "alguém"? Quem mandou não ter "conexões"? Ou seja: se você frequenta o lugar, é um rei. Se não frequenta, que se vire.

Eu prefiro acreditar nos mais pragmáticos: falta investir em treinamento. O que parece é que uma economia turbinada pelo consumo e por programas de redistribuição de renda saiu contratando quem estivesse disponível para trabalhar. E essa mão de obra simplesmente não foi (não é) treinada adequadamente. Só isso explica um cidadão ir a uma região administrativa da prefeitura e ouvir ali que "é mais fácil ligar para o 1746".

Uma terceira corrente vê passividade nos cariocas. Para essa gente, o carioca não reivindica e não reclama. Uma cidade cheia de belezas naturais parece ser o suficiente e desculpar todas as falhas. Desde que a cerveja esteja gelada, tudo bem que a mesa é bamba e a cadeira, de plástico.

Está mais do que na hora de mudar isso, não?



Gilberto Scofield Jr. - É jornalista de O GLOBO
gils@oglobo.com.br


Artigo publicado originalmente em O GLOBO, edição de 9/6/2013



3 comentários:

  1. E o pior que tudo isso acontece fora do Rio também. Aqui em São Paulo as coisas não estão fáceis, não.

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  2. Essa de cobrar o docinho que ele experimentou é demais. Na verdade, o suprassumo do mau atendimento. Eu teria deixado tudo em cima do balcão, pago o café e ido embora. Já fiz isso mais de uma vez. Mas a questão desse mau atendimento é geral. Em SP estão contratando gente sem experiência e não há nenhuma preocupação em treina-los. Dá nisso.

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  3. O despreparo da mão de obra em geral é algo estarrecedor. Aquela famosa frase dos atendentes "tem, mas acabou" já virou café pequeno, folclore. A coisa está feia.
    E os 10% a péssimos garçons? Se não pagarmos, a topada de arrancar o mindinho na saída será "malígrina"...

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