sábado, 29 de junho de 2013

Antero Greco

Sim, é possível

A Espanha joga muito, dá gosto de ver como acaricia a bola, envolve adversários, acumula títulos, etc e tal. Merece elogios e hipérboles. Mas não vem de outro mundo, não é imbatível, tem pontos vulneráveis e, se apertar com jeito, se enrosca. A Itália deu o exemplo, no duelo de ontem em Fortaleza, que terminou só na 14.ª cobrança de pênalti, após o 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação.

A gente se acostumou a acompanhar equipe insinuante, envolvente, traiçoeira como o Coisa Ruim. A Vermelha se especializou em se fingir de indiferente, de testar a paciência de rivais e plateia com o vaivém da bola, pra lá e pra cá, de pé em pé, sem sofrer arranhões, como nas brincadeiras de aquecimento antes do treino. De repente, o bote certeiro, o gol, o golpe de misericórdia, que deixa zagueiros mais tontos que pinguços de boteco.

Só que os bailarinos de Vicente Del Bosque quase atravessaram a dança, no único empate da Copa das Confederações. Ensaiaram botar a Azzurra na roda, como havia ocorrido na decisão da Euro de 2012 (4 a 0), e encontraram um grupo atento e atrevido. Sobretudo nos primeiros 45 minutos, os italianos abafaram qualquer iniciativa da Espanha, cercaram Xavi e Iniesta e isolaram Pedro, Torres, Davi Silva. Eles receberam poucos passes, e sempre vigiados pelo trio Bonucci, Chiellini, Barzagli, acostumados a essa tarefa na Juve.

Enganou-se quem imaginou a Itália atrás; Cesare Prandelli armou bem o time para explorar descidas de Maggio e Giacherini pelas laterais, e Casillas suou frio. No segundo tempo, houve equilíbrio, mas sem que a Espanha jamais impusesse ritmo hipnotizante. Na prorrogação, ambas alternaram boas situações, mandaram bolas na trave, criaram chances; os pênaltis foram consequência da igualdade. Partida com muita emoção, taticamente admirável.

O público optou pela Itália – por farra e provocação. No momento atual, inegável a superioridade dos espanhóis em relação a qualquer time. Daí, pela lógica das arquibancadas, melhor secar um obstáculo complicado, ao menos na teoria, para facilitar o caminho do Brasil à conquista da taça. Deu certo até Bonucci desperdiçar a penalidade número 13 (para supersticiosos) e mandar pro espaço a vaga para o clássico de domingo no Maracanã. Com isso, contribuiu para a final desejada, e ótima para o Brasil. Já que é para testar a capacidade da seleção que seja contra tubarões.

A tarefa de Felipão e seus rapazes não será simples – nem com o desgaste adicional do outro finalista. Claro que os campeões do mundo levam desvantagem pela correria no Ceará, pelo deslocamento e pelo dia a menos de recuperação física e emocional. Compensarão com talento que lhes sobra e com economia de energia. (Pausa: ressaltou-se à exaustão o calor no Castelão, como se italianos e espanhóis não saibam o que seja temperatura alta. Tente ir a Madri, Sevilha, Roma, Nápoles em julho e agosto pra ver como a moleira esquenta.)

O Brasil pode ter como modelo a Itália, irretocável na marcação, como de costume, além de prática e eficiente na armação. Fundamental, nesse aspecto, a agilidade de Pirlo, De Rossi (e, depois, Montolivo), Candreva, Marchisio, que puxavam os contragolpes com velocidade e pontaria calibrada. Dessa maneira, várias vezes pegaram a defesa desprevenida. Em jogos oficiais recentes, a Azzurra foi a equipe que mais endureceu a vida para os espanhóis.

Felipão talvez não queira mexer na escalação habitual, mas poderia considerar a alternativa de começar com Luiz Gustavo, Paulinho e Hernanes no meio. Sobraria para Hulk ou Oscar. Com o primeiro em campo, aumenta o poder de combate; com o mais jovem, ganha nos dribles, desde que ele caia pela direita.

No papel, parece moleza, tá certo. Mas sei que dá para espantar o bicho papão. Daí o título desta crônica. Pensou que copiei a frase de Barack Obama (“Yes, we can”)?! Nada disso. Giorgio Gaber, artista italiano genial e morto em 2003, escreveu em 1991 a canção “Si può” (“É possível”). A homenagem é pra ele.


Transcrito do Estadão.com.br, de 28/06/2013

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