domingo, 9 de junho de 2013

A Raposa e a Cegonha

Uma fábula de Jean de La Fontaine (1621/1652)




Quis a raposa matreira, que excede a todas na ronha,
Lá por piques de outro tempo, pregar um ópio à cegonha.
Topando-a, lhe diz: “comadre, tenho amanhã belas migas,
E eu nada como com gosto sem convidar as amigas.
De lá ir jantar comigo quero que tenha a bondade;
Vá em jejum porque pode tirar-lhe o almoço a vontade.”

Agradeceu-lhe a cegonha uma oferenda tão singela,
E contava que teria uma grande fartadela.
Ao sítio aprazado foi, era meio-dia em ponto,
E com efeito a raposa já tinha o banquete pronto.
Espalhadas num lajedo pôs as migas do jantar,
E à cegonha diz: “comadre, aqui as tenho a esfriar.
Creio que são muito boas - Sans façon – vamos a elas.”

Eis logo chupa metade nas primeiras lambidelas.
No longo bico a cegonha nada podia apanhar;
E a raposa em ar de mofa, mamou inteiro o jantar.
Ficando morta de fome, não disse nada a cegonha;
Mas logo jurou vingar-se daquela pouca vergonha.
E afetando ser-lhe grata, disse: “comadre, eu a instigo
A dar-me o gosto amanhã de ir também jantar comigo.”

A raposa labisqueira na cegonha se fiou,
E ao convite, às horas dadas, no outro dia não faltou.

Uma botija com papas pronta a cegonha lhe tinha;
E diz-lhe: “sem cerimônia, a elas, comadre minha.”
Já pelo estreito gargalo comendo, o bico metia;
E a esperta só lambiscava o que à cegonha caía.
Ela, depois de estar farta, lhe disse: “prezada amiga,
Demos mil graças ao céu por nos encher a barriga.”

A raposa conhecendo a vingança da cegonha,
Safou-se de orelha baixa, com mais fome que vergonha.

Enganadores nocivos, aprendei esta lição.
Tramas com tramas se pagam, que é pena de Talião.
Se quase sempre os que iludem sem que os iludam não passam,
Nunca ninguém faça aos outros o que não quer que lhe façam.

2 comentários:

  1. Excelente metáfora Maria Helena.

    ResponderExcluir
  2. As fábulas trazem as verdades com jeito de historinha, mas as verdades estáo todas lá.

    ResponderExcluir