Cura aqui, ó!
*
Sabe criança quando mostra o
"dodói"? Imagino o Brasil, o mapinha, todo remendado, com ataduras,
suplicante, apontando com os seus dedinhos gordos para suas próprias feridas,
que são muitas, urgentes, não dá mais para eles enrolarem. E a gente tem de
aguentar, além do mais, e ainda por cima, esse palhaço fazendo graça com a
nossa cara, com o que é sério, com o que temos a dizer? Ouvir todos esses
vira-bandeira/casaca, cara de pau de peroba, adeptos de última hora, falando em
corrupção, passe livre, e iniciando mais movimentos populistas? Aguentar cara
feia?
Ora, chega! Vocês me desculpem,
mas tem hora que quero fazer aquela cara da Dercy Gonçalves, lembram?, aquele
trejeito de puxar a boca, só dela, troçando e ao mesmo tempo fazendo gestos
obscenos, pouco se importando, mas muito clara em seus protestos, esbugalhando
o olho. Sempre gostei de Dercy, não sei se pelo Gonçalves, mas acho que mais,
muito mais, pela clareza de suas críticas, sem papas na língua.
Então, como ia dizendo, e com
essa cara de Dercy: Sr. Feliciano, cura aqui, ó! Dona Dilma, cura aqui, ó!
Quero dizer: senhores doutores, formadores de
opinião, elite pensante, gente legal de várias matizes, intelectuais sérios e
não-vendidos para os sistemas, artistas, juristas, homens e mulheres que querem
o bem do Brasil! Reúnam-se! Não esperem mais o chamado porque está tudo muito
confuso e ele, esse pedido de uma sociedade civil organizada, pode não vir tão
já, e nós precisamos de vocês agora. Curem aqui, ó!
Curem a descrença com que
andamos pelas ruas, em nossas marchas onde pedimos de tudo, para ver se
ganhamos algum troco. Curem o nosso combalido sistema de saúde, ameaçado agora
de piorar com a contratação desastrada e mal pensada de médicos estrangeiros,
que vão fazer o que, vão viver como nesse interior de Deus? Não vai dar certo,
a gente sabe. Evitem que aconteça. Evitem, por favor, que se gaste, que se
desperdice tanto, inclusive tempo e, fundamental, não deixem que nos enganem
com tantas propostas mirabolantes e pouco práticas. Assumam alguma
responsabilidade nisso tudo.
O Governo está um Governo ENEM,
cheio de erros em várias questões, em várias alternativas que acabarão por ser
anuladas e nós seremos postos à prova, mas de coisas ruins.
Conheço e tenho encontrado com
vários de vocês. Sei bem que vocês estão aí na espreita, com um sorrisinho
feliz na cara, aquele, quase cínico, porque - convenhamos e admitamos - tudo
isso é surpresa, já imaginávamos quase perdido esse jogo, e é bom demais ver
esses caras que esqueceram para o que vieram, sambando na fogueira acesa,
pisando em brasas, ui,ui,ui. Mas sei também que vocês estão bem apreensivos com
a gravidade do momento, um pouco perplexos com a desarticulação, com o
bate-cabeça, com as lideranças questionáveis, com porta-vozes que não reconhecemos.
Não vai dar para ficar só no camarote, minha gente, fazendo cara de vip. Tem de
descer no campo, escrever, dar entrevistas, devem contatar se entre si, não ter
medo - não é hora!- de criticar, de se expor, de sujar as mãos, e até de errar.
Conclamo uma reunião dos que têm boa vontade.
Precisamos continuar "ticando" a
lista de desejos que é enorme, validar a prescrição de remédios para curar o
que há de ser curado, e não é sem tempo. Nisso, varreremos de nossa frente
muitos desses dissimulados, jogadores do Mal, a começar por esse zinho que vem
usando a religião para suas brincadeiras na área de direitos humanos, que ousa
nos enfrentar conclamando uma daquelas que seria a pior divisão agora, a da
guerra religiosa, do preconceito, da banalização da violência.
Chega: é hora do basta. Vamos curar nossas
instituições. E o comportamento, mas o deles, que são os que precisam ser
corrigidos mais rapidamente.
Eles, os que nos governam, estão perdidos, e
de mau humor, ladeira abaixo. Os que nos representam estão acuados, vendo o
vento soprar em suas nucas, fazendo-os tirar os fundilhos de sua zona de
conforto. Os que nos penalizam, devem agilizar e fazer cumprir as regras, que
serão fundamentais e precisaremos que ajam como sábios. Os Três Poderes estão
em estado de choque, cada um no seu quadrado.
Vamos apoiar mudanças, vamos ajudar, mantendo
as ruas falando, buscando clima de paz, sem confrontos quando estes não forem
necessários, quando não sirvam como defesa. Olho vivo em infiltrados,
provocadores e gente que joga em campos cujo gramado já replantamos uma vez, e
não queremos outra. Chega de violência.
Cura aqui, ó! Cura esse Brasil
tão louco, que se inflama, que se emociona, que sabe brincar até quando fala
sério. Que não quer andar para trás, nem perder suas conquistas.
São Paulo, segundo semestre, 2013
Marli Gonçalves é jornalista - Tanta tensão, tanto stress, tem de valer.
E-mails:
marligo@uol.com.br
* ilustração
Brasil dodói