Cena de "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos
Outro dia, comentando as três obras de Graciliano Ramos adaptadas (Vidas
Secas, Memórias do Cárcere e São Bernardo), disse algo sobre a relação do
escritor com o cinema.
Na verdade, baseava-me na implicância do seu personagem Luis da Silva, em
Angústia. Moralista, Luis comenta com seu vizinho, Ramalho, que o cinema é uma
pouca vergonha. Que os casais saem de lá “esquentados” com o que veem na tela.
Recomenda ainda a Ramalho que, podendo, ficasse longe das salas de projeção.
Aquilo é o inferno, insiste.
Bom, mas essa é a opinião do personagem. E já estamos grandinhos para
confundir opinião de personagem com a do autor, não? Na verdade, nunca tinha
lido coisa alguma do próprio Graciliano falando em cinema.
Acontece que, motivado pela homenagem da Flip, comecei a ler, com imenso
atraso, a biografia de Graciliano escrita pelo Dênis de Morais (O Velho Graça,
José Olympio, 1992, 2ª edição). Soube que Dênis esteve em Paraty, falando de
Graciliano, claro, mas não acompanhei todo o noticiário. É coisa demais, pois,
para a imprensa brasileira a Flip é o terceiro maior evento em importância
mundial, perdendo, talvez, para a Copa do Mundo e a Olimpíada. É que lemos muito
aqui neste país, sabe?
Mas, enfim, lendo o Dênis, encontro a citação de uma crônica de 1915: “O
cinema! Ah! O cinema é uma grande coisa! É quase como o amor – é decantado e
posto em prática por toda a gente. (…)Aquilo é delicioso. Eu adoro o cinema.
(….) Decididamente, eu sou doido pelo cinema. Todo mundo é assim, todo mundo
gosta de cinema. E se alguém o censurar, o vilipendiar em vossa presença, podeis
afirmar convictamente que esse alguém é um despeitado.”
Despeitado, talvez, como Luis da Silva, seu neurótico personagem. Quer dizer
então que o Velho Graça era louco por cinema, como quase todo mundo. Pelo menos
o seu amor foi correspondido, pois o cinema o tratou muito bem até agora. Vidas
Secas e Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos, e São Bernardo, de
Leon Hirszman, são três obras-primas.
Transcrito do
Estadão.com.br, de
10/7/2013