Balas de borracha e bombas de gás e de “efeito moral”,
apelidadas pelas autoridades de “armas não letais”, foram, nas manifestações de
rua de junho e mesmo de julho, largamente usadas contra os “vândalos” – apelido
dado por autoridades e comprado pela mídia aos que se envolveram em depredações
e até roubos de mercadorias em lojas arrombadas.
Muito lamentável é que autoridades e mídia não se
preocuparam em identificar exatamente a composição dos grupos de vândalos que
insistiam em fazer suas ações paralelas às manifestações absolutamente
pacíficas. Então acabavam surgindo, quase invariavelmente à margem, isolados das
manifestações principais pela rejeição dos próprios manifestantes, os
“vândalos”.
Compondo esses grupos de vândalos certamente havia pessoas
com ideologias totalitárias, outras apenas exercendo suas próprias tendências
naturais à violência, bandidos profissionais ou eventuais que se aproveitavam
do tumulto para invadir lojas e roubar mercadorias e, finalmente, os
“infiltrados”, gente posta lá por quem devia zelar pela ordem para provocar
desordem que lhes permitisse atingir politicamente as grandes manifestações que
abalaram os governantes.
Mas estou escrevendo isto hoje por um motivo especial. Foi o
dia em que tomei conhecimento de uma carta. Eletrônica, como é desses tempos.
Em São Paulo, o fotógrafo Sérgio Silva, no exercício de sua
profissão e exercendo direitos garantidos pela Constituição brasileira, que
documentava uma manifestação, foi atingido no olho esquerdo por uma bala de
borracha, uma inocente “arma não letal”. No dia 25 de julho ele recebeu dos
médicos a desconfortável notícia final de que jamais voltaria a enxergar com o
olho atingido. Vai colocar uma prótese, não para ver, mas para que as outras
pessoas não vejam. Não percebam com muita facilidade o resultado plástico da
crueldade de que foi vítima.
O fotógrafo Sérgio Silva (foto acima) iniciou na Internet uma petição
(abaixo assinado que continua recebendo signatários, no site Change.org) ao
governador de São Paulo e outras autoridades a este subordinadas, pretendendo
que seja proibido o uso de “armas não letais” como as balas de borracha, as
bombas de gás lacrimogêneo e as outras. É bom lembrar que esteve sendo usada no
Rio de Janeiro a arma conhecida pela sigla Taser, que dispara um raio elétrico
de alta voltagem.
Classificada como “não letal”, a arma Taser pode ser letal,
se usada além dos limites de prudência (coisa comum quando entregue a policiais
despreparados psicologicamente e indevidamente instruídos) ou se, mesmo dentro
destes limites de uma suposta prudência, atinge alguém com problemas cardíacos,
a exemplo de arritmias. Pode desencadear uma parada cardíaca.
Mas, em resposta aos muitos signatários da petição a que deu
origem na Internet, o fotógrafo Sérgio Silva enviou carta dando conta do
desfecho médico do seu caso, acrescentando: “Mas o pior mesmo é olhar para o
tempo e ver que os abusos por parte da polícia nas manifestações não tem fim.
Desde que eu, vários jornalistas e manifestantes paulistas fomos feridos por
balas de borracha e bombas de gás, ficamos sabendo de outros casos no Rio de
Janeiro de pessoas que também perderam a visão ou se machucaram gravemente.
Definitivamente, isso não pode continuar!”. Tive a nítida impressão,
praticamente certeza, acompanhando o noticiário dos fatos, que várias vezes a
mira foi feita deliberadamente no rosto. As circunstâncias indicavam isto.
Bem, se uma arma Taser pode matar, também uma bala de
borracha não é tão inocente como os governos querem que as pessoas acreditem.
Ela também pode matar. Disparada de perto e atingindo uma das têmporas, pode
ser fatal. No Rio de Janeiro houve também quem perdesse a visão, como também
quem ficasse gravemente ferido, em consequência da inócua bala de borracha.
E já que dissemos que uma arma Taser, mesmo se usada nos
limites de uma suposta prudência, pode matar uma pessoa cardíaca (e são
extremamente numerosos os cardíacos, atualmente, e cada vez cardiopatias
atingem pessoas mais jovens), vale uma observação sobre as bombas de gás: o que
acontece se um portador de doenças pulmonares sérias, um asmático grave, por
exemplo – que vai passando e nada tem com a refrega entre a polícia e os
“vândalos” ficar exposto a uma nuvem desse gás e não receber um socorro
imediato e adequado?
Acontece um enterro.
Transcrito do blog Bahia em Pauta, de 6/8/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário