Tenho a impressão que os brasileiros foram submetidos a um
processo de sanforização.
Só os mais velhos, como eu, sabem o que vem a ser
‘sanforizado’. Explico: era o nome dado a um processo industrial que impedia o
tecido de fibra natural de encolher ou alargar depois de lavado.
Roupas sanforizadas eram mais caras, porém, em compensação,
a vantagem era enorme. Pagar caro por uma camisa e vê-la diminuir de tamanho
após a primeira lavagem... não era lá muito simpático.
Nós estamos assim. Nossas opiniões são sanforizadas, i.e,
estratificadas, palavra mais adequada a algo abstrato. E o pior é que nem
sempre somos nós que as estratificamos. Muitas vezes, são os outros. E opinião inalterada, nunca, jamais,
francamente, é ideia fixa.
Ao ler comentários que os leitores deixaram no depoimento de
Dulce Pandolfi, eu me assustei. Não acredito, e não acredito mesmo, que a
grande maioria acredite no que escreveu. Mas como um dia disseram que os
guerrilheiros eram mentirosos, não podem, nem diante de um depoimento como o
citado, que transborda emoção, que perpassa a dor e o sofrimento da vítima,
admitir que sua opinião possa ter sido precipitada: nem todos os casos são
iguais.
Além do detalhe que parece ter sido ignorado, mas que é a
espinha dorsal do Horror: a moça estava sob a guarda do Exército, sob a guarda
do Estado. E o Estado tem a obrigação
sagrada de zelar pelos que lhe são entregues. Por não levar em conta esse dado
é que toleramos cadeias como as nossas. Seja qual for o crime, do mais abjeto
ao mais irrelevante, sob a guarda do Estado o preso tem que ser respeitado. O
Estado não pode estuprar os direitos do Homem, nunca. O Estado tem que ser
melhor, mais elevado, mais honrado, mais ético, sempre.
Nas voltas que o pensamento da gente dá, chego à sabatina do
novo ministro do STF, cujas respostas apreciei.
Diante da quase obrigação de ‘uma vez a Cascais, nunca
mais’, quer dizer, se eu disser que gostei da resposta tal, nunca mais posso
discordar... talvez fosse prudente calar. Mas como a prudência nem sempre é
qualidade, às vezes é só tolice...
Gostei de saber que o ministro acha que obrigar a gestante a
levar a termo uma gravidez cujo fruto não viverá é sofrimento a ser evitado;
também de saber que ele é favorável a que o MP conduza uma investigação por
exceção e, em certos caos, até por dever; fiquei entusiasmada ao ver que ele
acha que a liberdade de expressão deve ser ampla, mas com “limites”, não é sair
por aí dizendo tudo que quer sobre quem quiser.
O que me impressionou mal: não acredito em imunidade total à
influência da vida à nossa volta. Acho mesmo impossível, a não ser que passe a
viver numa redoma.
Quanto ao mensalão e a seu mais do que aguardado desfecho,
lembro a mim mesma que no STF são onze as cabeças que vão confirmar se o ponto
esteve ou não fora da curva. E nenhuma delas, que eu saiba, foi sanforizada.
por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
Publicado originalmente no Blog do Noblat em 7/6/2013
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